“Extravio de Bagagem em voos internacionais”
Por Paulo Arthur Noronha Roesler
Desde 2002 o Brasil está passando por um ótimo momento da economia, com seguidos índices de crescimento na indústria e comércio, além do crescimento da chamada “classe C”, que consume mais e gera mais riqueza para o país.
Além disso, com a economia aquecida, o dólar abaixou de valor em relação ao real, fazendo com que os preços das passagens aéreas internacionais despencassem, o que facilitou o acesso dos brasileiros às viagens internacionais, de lazer ou de negócios.
Com o crescimento desordenado e a falta de investimentos no setor, claro que alguns problemas surgiram. Os aeroportos não acompanharam o crescimento, as companhias aéreas não compraram novas aeronaves e a infra estrutura, de uma maneira geral (funcionários, atendimento, pistas de pouso e decolagem) estão insuficientes.
Talvez o problema mais curioso decorrente deste aumento desordenado seja o extravio de bagagens nos voos internacionais. No ano passado, recebi uma cliente do escritório com um caso novo: ela tinha acabado de voltar da Turquia e uma das bagagens havia sido extraviadas. Não estava na Turquia, não estava em São Paulo, não estava no avião e não estava no aeroporto de Guarulhos. Simplesmente sumiu!
O pior não foi isto. A cliente é estilista e foi para o oriente justamente para pesquisar materiais, objetos, tapetes, texturas, cores, enfim, temáticas para sua atividade empresarial. O motivo principal da viagem foi adquirir objetos, entre decoração, utensílios de arte e bijuterias típicas da região, que só seriam possíveis de serem obtidos na Turquia, país conhecido pela sua cultura singular e pela qualidade diferenciada da sua cultura e arte.
Vários itens que foram comprados na Turquia não existem em nenhum outro lugar do mundo, só são comercializados no país; mesmo importadoras e lojas especializadas no Brasil não os possuem. Além disso, muitas das compras não foram realizadas em lojas turísticas, mas em feiras locais e diretamente com artesãos populares. A cliente viajou para o interior da Turquia, em cidades menores e mais afastadas da capital para pesquisar feiras livres e artesões locais, na certeza de estar diante de objetos únicos, como jogos de cerâmica feitos à mão.
O problema se deu no retorno ao Brasil. A cliente colocou todas as suas compras em uma mala nova, sendo que esta foi despachada com as outras malas seguindo o trâmite normal de outras tantas bagagens.
Sabendo da importância do conteúdo da mala e buscando se precaver, ela identificou a mala como “frágil”, colocando adesivo com o aviso fornecido pela própria companhia aérea e pedindo cuidado ao despachar. Além disso, já havia na mala um “Tag”, ou seja, uma etiqueta fixa de identificação com seus dados pessoais (nome completo, endereço, telefone).
Nem é preciso dizer que todos estes cuidados de nada adiantaram: a bagagem da cliente, justamente a mala que continha todas as lembranças e todas as compras especiais, de valor inestimável, foi extraviada pela Empresa Aérea.O pesadelo dela começou já na esteira rolante do aeroporto, quando se deu conta que mala que continha o conteúdo mais precioso para ela havia sido perdida.
A cliente comunicou a empresa aérea, que em claro desrespeito à Legislação do Consumidor, limitou-se a dizer que “casos como aquele poderiam ocorrer” e que ela estaria sujeita à este tipo de aborrecimento. O pior aspecto da história foi a resposta da empresa aérea, que destratou a cliente, não lhe deu nenhuma assistência e pouco se importou com a situação, limitando-se a dizer que casos como este poderiam ocorrer a qualquer tempo.
Inconformada, ela ainda procurou o auxílio da empresa ré na sua sede comparecendo pessoalmente por diversas vezes, para ter o direito do consumidor, na esperança de que sua bagagem fosse encontrada ou que a empresa fornecesse algum tipo de auxílio para resolver a questão. No entanto, não experimentou melhor sorte, uma vez que esta afirmou que casos como este não eram incomuns e que sempre ocorriam nesta época do ano. Sem alternativa, contratou os serviços do advogado.
Durante a pesquisa que fiz, encontrei diversos julgados, o que comprova que problemas como estes estão cada vez mais comuns, infelizmente.
Existem casos curiosos, como o rapaz que teve duas bagagens extraviadas e ficou dois dias em Paris com a roupa do corpo. Ganhou uma indenização de quinze mil reais. Outro caso curioso foi do fotógrafo que ficou quase 40 dias na Espanha sem seu equipamento, o que lhe garantiu uma indenização de 20 mil reais.
Casos como estes são exceções. No geral, a indenização gira em torno de 5 a 10 mil reais, observando o princípio geral de que a indenização em dinheiro pelo dano moral sofrido nunca pode ser superior ao sofrimento de fato. Vale a regra geral: você preferia ganhar 15 mil reais depois de passar por tudo isto ou receber suas duas malas e poder ter uma viagem tranquila? Se fosse de outra maneira, todos nós iriamos perder uma “malinha” de vez em quando para ganhar uma boa indenização.
Ademais, o posicionamento do Tribunal é de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, em especial aquilo disposto em seu art. 14: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
Existe legislação internacional sobre o tema. O Pacto de Varsóvia (Dec. nº 2.860, de 7 de dezembro de 1998) dispõe sobre o Transporte Aéreo Internacional, mas limita a responsabilidade das companhias aérea a “17 Direitos Especiais de Saque por quilograma”.
Agora complicou? Vamos lá: Direito Especial de Saque é a “moeda” do Fundo Monetário Internacional, o FMI. Trata-se de um valor de referencia utilizado em transações internacionais, que corresponde a R$ 2,8226 (Fonte: Correios). Fazendo uma rápida conta: se sua companhia aérea perdesse sua mala de 20 quilos em Paris, pelos termos da Convenção, você teria direito a, no máximo, R$ 959,68 (novecentos e cinquenta e nove reais e sessenta e oito centavos).
Pouco, não é? Veja que mesmo quando o Tribunal entende que a indenização deve ser reduzida, esta ainda alcança cerca de 5 mil reais. A razão é muito simples: os magistrados entendem que as companhias aéreas possuem responsabilidade objetiva no cuidado com as bagagens e que no momento do contrato entre a empresa aérea e o passageiro, o cuidado com as malas passa a ser da empresa, que responde pelos danos.
Além disso, o valor fixado na convenção não é capaz de reparar todo o sofrimento e desgaste causado pelo extravio da bagagem e por todos os contratempos decorrentes da perda em si, como ligações para a empresa aérea, dias de incerteza sem a bagagem e, em alguns casos, dias de privações em uma cidade estrangeira.
E olha que a Copa do Mundo ainda nem começou!
Para finalizar: a minha cliente não precisou entrar com a ação e me agradeceu pelo empenho por meio de um e-mail bem animado. No final, a mala foi encontrada: estava no Aeroporto de Viracopos, em Campinas, SP.